sábado, agosto 31, 2013

Interpretando as Escrituras: NÃO TENHA ÓDIO DE CAIM...

Por: Pr. Selmo Reis


A “base bíblica” foi a maldição sobre Caim (Gên. 4.11). Vez por outra, pessoas ignorantes da Bíblia e que a usam de maneira atomizada, sacando passagens do contexto, e ignorantes da obra de Cristo, presas e apaixonadas às maldições veterotestamentárias (velho pacto ou antigo testamento), ressuscitam a ideia esdrúxula. É impressionante o que a ignorância, aliada à empáfia, faz! Para alguns intérpretes (foi o caso deste irmão que me deu sua interpretação) o sinal posto sobre Caim foi a Cor Negra.

Por isso, a África e os negros eram amaldiçoados, e foram deportados como escravos. Já ouvi gente dizer que a terra de Node, onde Caim foi habitar era a África. Tolice da grossa, pois a região nunca foi identificada. E o termo hebraico, nod, tem a ideia de andar sem rumo, e não de deportação. A maldição sobre Caim foi que ele, um agricultor, homem de vínculos com a terra, seria nômade.

E também a associação dos cainitas (descendentes de Caim) com os quenitas (uma das subtribos nômades dos midianitas, por isso midianita ou quenita eram a mesma coisa), amaldiçoados com deportação escrava (Núm. 24.21-24) é tremendamente incerta. É uma violência exegética, o que se chama de eisegese (pôr ideia no texto ou seja, consiste em injetar em um texto, alguma coisa que o interprete quer que esteja ali, mas que na verdade não faz parte do mesmo ). Além de não se poder afirmar que Caim foi para a África, tal ideia ignora que o sinal (‘oth, algo externo), foi para proteção e não para maldição. Quem o encontrasse não deveria matá-lo (Gên. 4.15). O termo reaparece em Gênesis 9.12: ‘oth berith (“sinal da aliança”). E em Gênesis 17.11: lê ‘oth berith (“para sinal da aliança”).

Nestes dois casos, a palavra traduzida como “sinal” se associa com bênção. Obviamente que é o mesmo sentido com o episódio de Caim. Foi um sinal benigno, não maligno. O sinal posto foi lê Qain, literalmente “para Caim”, e não “contra Caim”. Foi algo para lhe favorecer. A maldição sobre Caim foi a de ser errante, e o trato posterior de Yahweh com ele foi de misericórdia, e não de ódio eterno.

A tradição judaica diz que o sinal posto sobre Caim foi o nome sagrado de YHWH, para que todos soubessem que não deviam tocá-lo. Yahweh foi fiador de Caim. Isso se chama GRAÇA e não maldição!
E há mais: as raças não surgiram após o Éden, mas após o dilúvio (Gên. 10). E a dispersão da humanidade pela face da terra se deu em Gênesis 11 (especialmente v. 9). Caim nada teria a ver com a África, nem com a Europa, nem mesmo com a Oceania.

Há gente fissurada em maldições e no Antigo Testamento e suas pragas. Respeitosamente recordo-lhes o conteúdo do Sermão do Monte: “foi dito” e “eu, porém, vos digo” e sua admirável conclusão: “Estas minhas palavras”. O padrão é o ensino de Jesus, o Novo Testamento. Lembrem- se da palavra do Pai, na Transfiguração: “Este é o meu Filho amado, em quem me agrado; a ele ouvi” (Mat. 17.5). Nós não ouvimos a Moisés e Elias (o Antigo Testamento), mas ao Filho amado (Heb. 1.1-2).

Uma regra elementar de Hermenêutica (significa “interpretação”: neste caso uma modalidade específica de estudo teológico) ensina que o Novo Testamento interpreta o Antigo Testamento. Inclusive, segundo Paulo, o judeu só entende completamente o Antigo Testamento quando aceita o Novo (II Cor. 3.14- 16). Seria bom parar de colocar o mundo e a igreja de Jesus sob o jugo do Antigo Testamento.

Jovem: fujamos de gente exótica, que vê na Bíblia o que intérpretes bem mais capacitados e de mais autoridade espiritual nunca viram. Os reinventores do evangelho e da Teologia geralmente nos envergonham e escandalizam. E no que interessa: não há nenhuma maldição especial sobre a África e sobre os negros.

Racistas de plantão: não deturpem a Bíblia, nem envergonhem os verdadeiros cristãos!

Pr. Selmo Reis.

Sobre o Pr. Selmo Reis...

O Pr. Selmo Ricardo Reis é bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil e licenciado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Foi Pastor Auxiliar na Saint John Primitive Baptist Church de Delray Beach, Flórida e hoje reside em Washington, estado fronteiriço ao Canadá... Sua luta para manter os afrodescendentes conscientes de suas histórias e ações, permanece ativa.